Gostaria
de não ser irônico, mas não consigo. Gostaria muito mesmo de não ser
irônico, até porque sei que é muito difícil sê-lo com eficácia.
Mas não tenho como começar de outro modo. Por hoje, não consigo.
Creio que irás entender, até porque quero te agradecer. Agradecer
por ter sido nada na minha vida. E nisto, veja bem, trago um elogio e revelo também um alívio.
Um nada causa coisa alguma. Mas infelizmente isso não é verdade. Você me causou e me causa
tristeza, ausência, uma inação planejadamente para corroer. Me traz a imagem de um
homem que por um tempo eu cheguei a admirar mas que, quando julguei
poder contar, me trouxe o nada que destrói.
Não
posso ser injusto, pelo menos comigo. Você me trouxe muitas coisas, sim.
Trouxe decepção. Trouxe a mesquinhez que até hoje te acompanha. Me
trouxe um cheiro ruim. Um cheiro mofado, abafado, embora
aparentemente nada ruim estivesse por perto. Mas o mal estava, fisicamente,
bem perto. Era você. Lustrado, bonito, bem sucedido, com fala bonita
e reconhecido. Era o que eu, em algum momento, cheguei a desejar também ser. Ainda bem que não fui. Tinha
algo podre ali com você.
Tenho
tristezas em relação a ti, sim. Tu, gerado no mesmo poço que até
hoje tentas provar que me torna impuro, tentaste e insististe a dizer
que eras diferente de mim. Diferente, és. Mas te esforçaste por
dizer que eras melhor. Não és. Podias melhorar não apenas a minha
vida, como a de mais gente a tua volta. Não fizeste isso. Ficaste
impávido, assistindo. Aliás, assistir é algo que
digo combina muito bem contigo. Assististe, ciente, o desmanchar de
vidas. Só olhaste. E olhas, ainda. Teu
silêncio, enquanto pessoa conhecedora dos fatos, foi e é sádico.
Foste um homem com poder para mudar vidas. Nada fizeste. Nada fazes.
Espero, depois de tanto tempo, que nada faças. As vidas já mudaram.
Poucas
lembranças tenho de ti. As que tenho não são boas. Tento não guardar, mas volta e meia elas chegam a mim. Lembro do desprezo
eterno em me receber em tua casa. Lembro dos vinte dólares que jogaste na rua, como uma esmola (por muito guardei comigo aquela imagem ruim,
para não esquecê-la). Lembro da enxurrada de cópias de trabalhos
acadêmicos que enviaste (quero deixar claro que não concluí o
curso, mas também quero deixar claro não copio), como se fosse uma
tentativa de absolvição pelo passado. E lembro, em um
“recentemente” de mais de dez anos, do teu silêncio. Silêncio
absoluto. Este, porém, me soa mais honesto.
Buscando
algo naquele homem que um dia admirei, espero pensar que este teu
silêncio seja a dizer que não tens o que me dizer, que não podes
me dizer, que não consegues ou apenas que não queres dizer. Mas quando lembro do homem que conheci. porém,
não imagino tanto.
Nesse
saldo, entre os homens que tu me mostraste ser, volto ao início.
Depois disso tudo, me deixaste nada. Absolutamente nada. A ironia, ao
fim, cabe a mim, pois ao pensar em ti depois de tudo isso, nada é um
saldo bastante bom.